Vestido de Noiva (10 page)

Read Vestido de Noiva Online

Authors: Nelson Rodrigues

BOOK: Vestido de Noiva
12.64Mb size Format: txt, pdf, ePub

 

PEDRO
- Está bem. Depois eu falo com você.

 

LÚCIA
- É inútil. Não serei de você, nem de ninguém. Você nunca me tocará, Pedro.

 

PEDRO
- Você diz isso agora!

 

LÚCIA
- Jurei que nem um médico veria o meu corpo.

 

PEDRO
-
(cruel)
Então ela ficou impressionadíssima com as mulheres vestidas de amarelo e cor-de-rosa. Uma vitrola! Duas fulanas dançando!

 

LÚCIA
-
(chorosa)
Não fale assim! Ela está ali. Morreu.

 

PEDRO
-
(sardônico)
Era louca por toda mulher que não prestava. Vivia me falando em Clessi. Uma desequilibrada!

 

LÚCIA
-
(revoltada)
Você deve estar bêbedo para falar assim!

 

PEDRO
-
(sério)
Ou louco...
(grave)
Não tenho o menor medo da loucura.

 

(Trevas)

 

Speaker
- Pedro Moreira, Gastão dos Passos Costa, senhora e filha, Carmen dos Passos, Eduardo Silva e senhora
(ausentes)
Otávio Guimarães e senhora, agradecem, sensibilizados, a todos que compareceram ao sepultamento de sua inesquecível esposa, filha, irmã, sobrinha e cunhada Alaíde e convidam parentes e amigos para a missa de 7° dia, a realizar-se sábado, 17 do corrente, na Igreja da Candelária, às 11 horas.

 

(Luz no plano da realidade: Lúcia e mãe)

 

LÚCIA
-
(como uma louca)
Você viu o que saiu no jornal? "Alaíde Moreira, branca, casada...
(sardônica)
Branca!...
(surdamente)
"fratura exposta do braço direito. Afundamento dos ossos da face...”

 

MÃE
-
(assustada)
Não fique assim, Lúcia!

 

LÚCIA -
(continuando sem dar atenção)
"... escoriações generalizadas"... "Não resistindo aos padecimentos"...
(com voz surda)
Sei isso de cor, mamãe! De cor!

 

MÃE
- Minha filha!

 

LÚCIA
-
(espantada)
Está ouvindo, mamãe? Ela outra vez! Ela voltou - não disse?

 

MÃE
- Não é nada, minha filha. Ilusão sua.

 

LÚCIA
-
(atônita)
Mas eu ouço a voz dela. Direitinho! Falando!

 

MÃE
- Você parece criança, minha filha!

 

LÚCIA
-
(com ar estranho)
Não foi nada. Bobagem.

 

ALAÍDE
-
(microfone)
"Você sempre desejou a minha morte. Sempre, sempre."

 

MÃE
- Quando você for para a fazenda, tudo isso passa. Lá o clima é uma maravilha!

 

(Trevas. Só microfone)

 

PAI
-
(microfone)
Que é que há com Lúcia e Pedro?

 

MÃE
-
(microfone)
Que eu saiba, nada. Por quê?

 

PAI
-
(microfone)
Você não viu ontem?

 

MÃE
-
(microfone)
Aquilo?

 

PAI
-
(microfone)
É. Foi esquisito.

 

MÃE
-
(microfone)
Talvez tenha sido sem querer.

 

PAI
-
(microfone)
Sem querer coisa nenhuma.

 

MÃE
-
(microfone)
Lúcia anda tão nervosa! Mas eu falo com ela.

 

PAI
-
(microfone)
Não se meta.

 

MÃE
-
(microfone)
Ela ontem me disse uma coisa! Enfim...

 

(Luz no plano da realidade: pai e mãe de Lúcia, esta e D. Laura. Lúcia chega de viagem)

 

LÚCIA
- Mãe! Quantas saudades!

 

PAI
- Eu não mereço.

 

LÚCIA
- Papai!

 

MÃE
- Está tão mais gorda, corada - não é, Gastão?

 

PAI
- Muito mais.

 

D. LAURA
- Depois, quando a gente tira o luto, é outra coisa!

 

LÚCIA
- Ah, D. Laura! Nem tinha visto a senhora!

 

(Saem D. Laura e mãe de Lúcia)

 

PAI
-
(confidencial)
Já resolveu?

 

LÚCIA
- O que é que o senhor acha, papai?

 

PAI
- Isso é com você, minha filha; você é quem tem que decidir.

 

(Trevas. Luz sobre Alaíde e Clessi, poéticos fantasmas. Iluminam-se as duas divisões extremas do plano da realidade. À direita do público, sepultura de Alaíde. À esquerda, Lúcia, vestida de noiva, prepara-se no espelho. Arranjo da Marcha Nupcial e da Marcha Fúnebre)

 

LÚCIA
- Aperta bem, mamãe.

 

MÃE
- Está muito folgado aqui!

 

LÚCIA
- Será que Pedro já chegou?

 

MÃE
- D. Laura aparece, quando ele chegar.

 

LÚCIA
-
(retocando qualquer coisa ao espelho)
Eu só quero que ele me veja lá na igreja.

 

(Entra D. Laura)

 

D. LAURA
- Pode-se ver a noiva?

 

LÚCIA
- Ah! D. Laura!

 

(Beijam-se)

 

D. LAURA
-
(para a mãe)
A senhora deve estar muito atrapalhada!

 

MÃE
- Nem faz idéia!

 

LÚCIA
-
(com dengo)
Estou muito feia, D. Laura?

 

D. LAURA
- Linda! Um amor!

 

LÚCIA
-
(estendendo os braços)
O bouquet.

 

(Crescendo da música, funeral e festiva. Quando Lúcia pede o bouquet, Alaíde, como um fantasma, avança em direção da irmã, por uma das escadas laterais, numa atitude de quem vai entregar o bouquet. Clessi sobe a outra escada. Uma luz vertical acompanha Alaíde e Clessi. Todos imóveis em pleno gesto. Apaga-se, então, toda a cena, só ficando iluminado, sob uma luz lunar, o túmulo de Alaíde. Crescendo da Marcha Fúnebre. Trevas)

 

 

 

 

 

FIM DO TERCEIRO E ÚLTIMO ATO

Other books

Waiting in the Shadows by Trish Moran
Mosquito by Roma Tearne
Acts of Faith by Erich Segal
Unsuitable Men by Pippa Wright
Rain Dance by Terri Farley
Slightly Sinful by Yvette Hines
Murder Key by H. Terrell Griffin
Backstage Pass by Ryan, Nicole
El segundo anillo de poder by Carlos Castaneda